segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Ciúme não é sinônimo ou prova de amor!





O ciúme é um terrível mal que assola os relacionamentos, causando dor, amargura e morte. Muitas teorias já foram levantadas, vários questionamentos já foram feitos e muitos apontam o ciúme como sendo algo normal, algo que faz parte de todo e qualquer relacionamento, ou ainda um indicativo de que o amor está presente e se manifesta através do “cuidado” que o ciúme demonstra. Creio que o ciúme pode ser, acima de tudo, patológico, uma doença que necessita de urgente cura.
Mais do que qualquer outro fator existente, quer direto ou indireto, objetivo ou subjetivo, o ciúme é um câncer que aos poucos corrói qualquer relacionamento amoroso, desgastando-o e tornando-o nocivo aos amantes. Em um mundo de disputas, de necessidade de afirmação, de banalização da vida, do sexo e da paixão, o ciúme é mais que um sentimento indesejável, é uma arma constantemente apontada e engatilhada, ameaçando os corações. Os que brigam, se separam e matam por ciúme deveriam repensar suas atitudes e as motivações que as precederam, percebendo o mal que causam a si mesmo e ao ser amado. Existem ainda aqueles que ainda se orgulham de ter ciúmes e julgam com isso ajuntar honras dobre suas cabeças.
Além disso, existe aquilo que se pode chamar de “ciúme maldoso”. Neste caso é freqüente que um dos parceiros induza o outro ao ciúme numa clara demonstração de auto-afirmação. Ele precisa mostrar para si mesmo que é amado e que tem o outro sob controle. Talvez isto não parta diretamente de uma insegurança de si e do outro, mas de uma clara prepotência, de uma demonstração de superioridade.
Por tudo isso, o ciúme não deve causar orgulho, mas tristeza e um cuidado extremo, porque ele engloba três pontos negativos:

Insegurança decorrente de baixa auto-estima

Quando o amante ciumento percebe que outro indivíduo aproxima-se de seu par, vê aí um sinal de alerta, de perigo iminente. Isto acontece porque ele enxerga no outro um adversário em potencial, alguém com qualidades superiores às dele que poderá fazer com que o ser amado lhe dê preferência e o abandone. O ciumento pensa nas qualidades físicas (ele é mais bonito e mais forte que eu...), intelectuais (ele é mais inteligente, mais desenrolado...) e sociais (ele é melhor do que eu porque possui um carro, se veste melhor...). Por não se valorizar, acha que também não será valorizado por seu par e por isso fica alerta. Ele não compreende, porém, que esta guerra só existe em sua mente e na alucinação compulsiva causada por seu ciúme doentio.

Desconfiança baseada num conhecimento insuficiente do ser amado

Deste modo, ele julga seu par e desconfia de cada olhar seu, de cada conversa com amigos, de cada momento a sós com qualquer pessoa. Todas as palavras e atos proferidos passam por uma peneira de preconceitos que não deixa escapar nada. Cena comum: o casal está numa praça namorando. A moça olha para o lado e fixa os olhos em algum ponto aleatoriamente. O rapaz logo pergunta bravo: “Está olhando pra quem?”. Ele não está querendo com isso dizer: “Estou com ciúme do seu olhar”, mas “Desconfio que você está me traindo, paquerando com outro”. Desconfiando assim, desconfia-se também de que o amor que o outro diz sentir é falso, pois quem ama não trai. Quando amamos alguém e sabemos que este alguém nos ama, devemos estar seguros de sua fidelidade.

Sentimento de posse

O amante trata o ser amado como um objeto de uso exclusivo seu. Não como uma pessoa, um ser humano com necessidades físicas, emocionais e espirituais, mas como um “móvel” adquirido com nota fiscal e termo de garantia. Não permite-lhe sair com amigos e/ou amigas, freqüentar certos lugares, usar certos tipos de roupas, trabalhar, falar ao telefone... Será que isto é amor? Será que o amor pode sobreviver a isto? Alguns dirão: você não disse que o amor jamais acaba? Sim, o amor jamais acaba, mas a capacidade do ser humano de amar é limitada por diversos fatores e o ciúme é um deles. O amor continuará existindo, esperando as condições favoráveis para crescer e se multiplicar. O ciúme funciona como uma erva daninha num jardim, matando as plantas, as flores. Ou pior: como uma doença que afeta o botão antes que este se abra em flor.

Até mesmo as pessoas que jamais sentiram amor por alguém podem sentir ciúmes de outras pessoas, quer sejam amigos, parentes ou amantes. Nas palavras do doutor Flávio Gikovate:

Elas têm medo de perder os privilégios associados àquele parceiro. Temem perdê-lo até mesmo porque se sabem más companhias, sempre dispostas a levar vantagem e quase nunca disponíveis para agradá-lo.[1]

         O ciumento geralmente não vê a pessoa amada como alguém que deva respeitar suas individualidades, confiar e amar incondicionalmente, mas como alguém que tem algo a lhe proporcionar, quer seja prazer sexual ou segurança financeira. O medo de perder estas facilidades é que faz com que ele aja impulsionado pelo ciúme, demarcando o seu território e fincando suas bandeiras. Em seu espaço limitado, o ser amado só tem condições de agir dentro daquilo que ele considera seguro – para si.
         Apesar de todas estas considerações, o ciúme necessita ser visto, também, como parte da nossa condição humana de insegurança e incerteza, como bem atesta o autor supracitado. Faz parte da nossa humanidade sentimo-nos inseguros quanto à diversos aspectos da nossa vida. O ser humano é um ser incompleto, que busca a perfeição e que está muito longe de conhecer-se completamente. Suas origens e seu destino fazem parte de uma nuvem nebulosa que ele é incapaz de penetrar até as suas profundezas. Esta insegurança causa este sentimento de dúvida e medo que imperam em alguns relacionamentos. Quanto mais pleno o ser humano for, mais consciente de si mesmo e do mundo que o cerca; quanto mais completas as leituras que ele pode fazer destas coisas, mas se aproximará de um viver mais seguro, longe da dúvida e perto da segurança. Mas este é um processo longo que pode se estender por toda uma vida. Não devemos ter vergonha de ser assim ou medo de errar, pois isso demonstra que somos humanos. Fortes são os que conseguem reconhecer isto e buscar mudança. Fracos são os que nem se quer se preocupam com estas questões, achando-se fortes e preferindo continuar na condição de inseguros e temerosos.





[1] GIKOVATE, Flávio, Ensaios sobre amor e solidão,  São Paulo, 1998, MG editores, p.128.